quinta-feira, janeiro 29, 2004

Nem todo mundo entenderia tudo que posso dizer. Com a maioria das pessoas eu não me dou ao luxo de ir muito longe nas conversações, me limito a discutir o futebol, o clima, o próximo show... Com algumas posso até discutir política e música, adentrar o terreno filosófico e platônico já com poucos, falar dos meus sentimentos com quase ninguém. Mas raras mesmo são as pessoas com quem eu posso ser confuso, soltar as palavras do jeito como subiram à garganta e esperar entendimento... No mínimo uma dúvida cabível e não uma expressão atônita e surda. Eu vejo muito isso.

Quando eu estava na segunda série, a professora fez com que todos os alunos lessem a mesma frase. Era uma frase moralmente importante para a formação de todos, suponho, mas não me lembro exatamente a origem disso. Todos os alunos antes e depois de mim leram a frase. Eu a disse, já a sabia de cor desde a segunda vez que tinha ouvido. Isso não parece ser nada difícil e não é mesmo, mas as pessoas liam, olhos grudados no papel e uma sílaba depois da outra devagar. Não é de se esperar mesmo que meninos da segunda série possam ler rápida e fluentemente. Mas havia um caminho mais rápido. Não sei porque não o seguriam, acho que ninguém pensou nisso naquela classe... Mas não é nada exepcional.

Anos mais tarde eu era primeiro ano colegial e o professor de geografia dava as pinceladas iniciais no quadro negro. Começou a fazer perguntas a várias pessoas sobre diferenças climáticas entre os hemisférios Sul e Norte. Aquela história de que quando aqui é inverno lá é verão e outras coisas baseadas no mesmo princípio. Todos se confundiam bastante na hora de responder. O professor não apontou a caneta para mim dessa vez, mas uma aluna nova no colégio teve sua chance de responder. A menina respondeu com a facilidade que cabe a esse tipo de pergunta. Sim, era mesmo muito fácil, mas ela me chamou a atenção. As outras meninas todas erraram algo, ou precisaram da ajuda do professor.

Duas semanas depois eu estava apaixonado por ela. Descobri enquanto assistia o enfadonho Assassinato em Gosford Park. Não conseguia parar de pensar nela. Aliás, foi por isso que iniciei minha carreira de bloggeiro. Com ela eu me sentia livre para ser confuso, para discutir política, música, filosofia e sentimentos. Para nós dois, as coisas corriqueiras como ler frases e responder perguntas de comparação climática não valiam conversa alguma. Pelo menos eu acreditava que ela também pensava isso. E acreditava que ela pensava todas as melhores coisas e nenhuma das piores.

Demorou, mas chegou o tempo em que toda essa idealização passou. Agora ela é a única pessoa importante para quem não telefonei ainda. Telefonei, mas ela não estava. O estranho é que me acostumei a sentir falta dela em todos os momentos em que ela não estava e agora nem sei se vou tentar ligar para ela de novo amanhã. É a vida...

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