quinta-feira, maio 29, 2003

Éramos 4: eu, um amigo e mais duas amigas. As amigas atreladas a relações com terceiros, nós, os amigos, sós e carentes. Descíamos uma ladeira em direção ao apartamento de uma delas onde almoçaríamos para depois irmos ao Teatro Módulo onde aconteria a celebrada Máquina Do Som. Eu já avistava o previamente conhecido conjunto de prédios que se não fosse pelas cores seriam iguais. Era um conjunto de edifícios que ficava no que eu decidi chamar de cratera.

Descíamos a ladeira em direção à cratera. Era a primeira vez que eu estava lá a pé. Estávamos entre amigos, entre comentários bem humorados e risadas estridentes. "Sinto que devo fazer silêncio. Sinto que devo respeito à esse lugar." Foram minhas palavras. Os outros três buscaram entender porque. Eu estava sentindo uma carga muito forte.

Quanto mais descíamos, mais dominado eu me sentia. Um hóspede no castelo de Drácula. O clima esfriado contribuía. Eu sentia alguma espécie de medo. Não era medo. Era todo o respeito do mundo concentrado em mim. Eu não ousava tocar em nada. Eu não podia modificar o ambiente. Ele parecia em tão perfeita harmonia que qualquer distúrbio seria incômodo aos "senhores do lugar". Eu usei esse termo, não importando quem eles sejam.

Existia alguma força enorme ali e aos poucos eu me integrava a ela. Eu virava nas esquinas certas. Minha visão estava embaçada nos cantos, eu via nitidamente o caminho à minha frente. Ouvia nitidamente todos os ruídos, sentia todos os cheiros. Falava devagar, pensava devagar porém muito mais claramente. Todas as idéias fluíam. Quem me dera ter uma caneta e um pedaço de papel ali naquela hora!

E em pouco tempo eu era parte do todo. A harmonia que ali havia me aceitara. Eu estava ligado aos "senhores do lugar". Eu estava ali na casa da minha amiga. Eu estava no quarto inteiro. Estava na cratera inteira. Acima e abaixo dela em todas as direções e em relação a todos os pontos de vista. O lugar me dominou e eu dominei o lugar. Era energia pura.

Ainda não digeri com clareza o que aconteceu. Acho que isso supera o efeito de qualquer alucinógeno ou entorpecente que com certeza eu poderia encontrar por ali. Sei que aquele lugar me fez sentir muito estranho. Muito bem de uma maneira estranha. Uma maneira nova. Nunca esquecerei das horas que passei na cratera do bairro da Federação. Mesmo que eu volte lá e não seja mais a mesma. Com certeza eu não serei mais o mesmo.

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