terça-feira, agosto 31, 2004

Hoje, só grunidos sem sentido. Quero achar a ponta do fio e puxar, mas só encontro os nós, os emaranhados. Gostaria de entender, gostaria de ter um bom conselho desta vez. Normalmente eu consigo me aconselhar sozinho e chego a uma boa solução, desta vez, só grunidos. Passei uns trinta minutos exercitando melodias sem palavras, porque não consegui as palavras.

Só consigo me arrepender de ter perdido as chances que perdi - e sabia que me arrependeria. Causa e consequência. Agora estou doente de vários jeitos, com febre de vários jeitos. A febre é uma reação. A febre cura. Estou sentindo todo o calor, sentindo o sangue circular em busca das impurezas, dos organismos invasores, dos vírus, vícios e cânceres.

Depois da febre, vem o suor e a redenção. E o guerreiro se levanta para desbravar novas fronteiras. Por enquanto, só grunidos.

quinta-feira, agosto 26, 2004

Seremos perfeitamente civilizados
Sem intimidades ou ousadias
Nada de cantar alto à noite
E entre nós, mais nenhuma poesia

Uma fórmula para o sumiço
Como se não tivesse sido
Nenhum passeio pela lua
Nenhum sussurro no ouvido

A garrafa lacrada e seca
Como a minha boca
O nó trancado e cego
Como os meus olhos

Não mordo, não falo, não beijo
Não choro, não pisco, não vejo
Tenho muita sede, mas não bebo
Tenho um grito, mas silencio

Seremos cúmplices do absurdo
E não nos veremos mais

terça-feira, agosto 24, 2004

Sobre a segunda-feira, esse dia não nasceu para ser vivido. Eu gostaria de não ter acordado.

Só mesmo alguém que não vê só pedras nas pedras para ter feito-me sorrir.

segunda-feira, agosto 16, 2004

"Catalisadores aumentam a velocidade das reações químicas e se mantém inalterados durante o processo". Certo, entendi. Preciso de um desses: sou um átomo no estado natural e estou querendo reagir. Aulas de química só servem para encontrar metáforas ridículas como essa e como o meu professor. A poesia, a poesia eu prefiro.

Está tudo muito rápido e eu ainda não fiz as minhas decisões. Minha cabeça rodopia sobre a mesa, pende ora para um lado, ora para o outro e não para de girar, eu fico tonto. Meus ciclos de criatividade se completam mais uma vez e eu torno a me imaginar artista do som, da imagem ou da palavra. Eu vejo as coisas com outras cores e consigo dialogar com muito poucos.

Dois minutos depois, a minha compreensão ampla das linhas retas, ligações atômicas, peptídicas e sinais elétricos nos neurônios me deixa fascinado pelas ciências. É um fascínio que pode me ajudar na batalha que o mundo é. São chances maiores. O peão gira, gira e eu olho para todos os lados.

Enfim, não sei para onde aponta a flecha. Sei apenas que tenho toda condição de acertar os alvos.

segunda-feira, agosto 09, 2004

Há sempre o caminho mais fácil, todo ladrilhado, arrumadinho e com um lago no final. Eu comecei a andar por ele, mas não tem graça. Gosto mesmo é de me arranhar nos espinhos do outro, mesmo que sangre, que doa. Eu gosto de cicatrizes de batalha. Quero o que for capaz de me derrubar num só golpe, para eu ter certeza de que precisarei de todo esforço a cada esquiva e a cada próximo passo, porque no chão tem lama e areia movediça que pode prender meus pés e me afogar.

Quero assim mesmo, porque no final deste segundo caminho, está a vida que eu quero.

Não estou falando de trilhas ecológicas, nem de vestibular, nem de profissões, nem de cidades. Estou falando de amores.

segunda-feira, agosto 02, 2004

Era linda, um anjo. Todas as feições bem feitas, esculpidas por um artista grego, a menina era uma arte só por existir. Segurava o copo de suco de laranja com leveza, não com a elegância fabricada da etiqueta, uma leveza natural como a das fadas dos mitos antigos. Estava entre o pai e o irmão, de frente para a mãe. O pai era um cinquentão austero, daqueles bem seguros de si e para mim, tinha ares de corrupto. O irmão tinha algum retardo mental, percebi logo por causa do cabelo raspado. Cabelo grande não é prático, se não for bem limpinho pode dar coceira. É mais fácil raspar, retardados mentais não ligam para a aparência. A mãe era muito chique, muito artificial, cheia de joias e laquê na cabeça.

A menina parecia entediada. Olhava para o vazio em todas as direções. Torci para nossos olhos se encontrarem, nos entenderíamos à distância e em silêncio, mas ela não aparentava prestar atenção às outras mesas da pizzaria, continuei minha contemplação anônimo e ignorado, mas satisfeito. Era como ler uma poesia numa página de livro velho: o poeta não sabe quem vai ler, nunca vai saber quantas emoções realmente provocou com aqueles versos, mas escreve. Ela escrevia com seus gestos.

De repente, deu um abraço e um beijo muito afetuosos no pai, se mostraram muito ligados e isso fez, imediatamente, desaparecerem os seus ares de corrupto. Era agora um pai trabalhador, muito estudado, esforçado, honesto e que ensinava princípios aos filhos. Da mãe e do irmão continuei pensando a mesma coisa, pois ela não se manifestara em relação a eles.

Sorriu só uma vez, quando conversou com alguém no celular do pai. Não sei quem era nem ouso supor. Meu jantar na pizzaria foi muito bom.