segunda-feira, agosto 02, 2004

Era linda, um anjo. Todas as feições bem feitas, esculpidas por um artista grego, a menina era uma arte só por existir. Segurava o copo de suco de laranja com leveza, não com a elegância fabricada da etiqueta, uma leveza natural como a das fadas dos mitos antigos. Estava entre o pai e o irmão, de frente para a mãe. O pai era um cinquentão austero, daqueles bem seguros de si e para mim, tinha ares de corrupto. O irmão tinha algum retardo mental, percebi logo por causa do cabelo raspado. Cabelo grande não é prático, se não for bem limpinho pode dar coceira. É mais fácil raspar, retardados mentais não ligam para a aparência. A mãe era muito chique, muito artificial, cheia de joias e laquê na cabeça.

A menina parecia entediada. Olhava para o vazio em todas as direções. Torci para nossos olhos se encontrarem, nos entenderíamos à distância e em silêncio, mas ela não aparentava prestar atenção às outras mesas da pizzaria, continuei minha contemplação anônimo e ignorado, mas satisfeito. Era como ler uma poesia numa página de livro velho: o poeta não sabe quem vai ler, nunca vai saber quantas emoções realmente provocou com aqueles versos, mas escreve. Ela escrevia com seus gestos.

De repente, deu um abraço e um beijo muito afetuosos no pai, se mostraram muito ligados e isso fez, imediatamente, desaparecerem os seus ares de corrupto. Era agora um pai trabalhador, muito estudado, esforçado, honesto e que ensinava princípios aos filhos. Da mãe e do irmão continuei pensando a mesma coisa, pois ela não se manifestara em relação a eles.

Sorriu só uma vez, quando conversou com alguém no celular do pai. Não sei quem era nem ouso supor. Meu jantar na pizzaria foi muito bom.

Sem comentários: