domingo, abril 23, 2006

Vejo o quadro do casal Amolfini, pintado por Jan Van Eyck no século XV e não deixo nunca de me impressionar com a riqueza de informações, detalhes e beleza que a imagem tem. Me emociono ao imaginar o esforço meticuloso do pintor, escolhendo cada cor, calculando os ângulos, as formas, a luz e a sombra, ao longo de meses ? todo o trabalho que transformou o quadro numa obra eterna; e ao fundo, no espelho, se vê o artista conquistando a realidade. Olhando e pintando o que seus olhos viam.

Esta busca por colocar numa tela exatamente o que viam os olhos, aliada à ciência, levou alguns pintores a utilizar lentes e câmaras escuras para melhor visualizar o que deveriam pintar. Daí uma grande caminhada nos levou à fotografia. Eram as lentes da câmera as melhores imitações dos olhos que podia haver.

Julgamos que o que nossos olhos nos mostram é a realidade absoluta, mas nos esquecemos que existem numa cidade milhares de pessoas com milhares de olhos diferentes, observando as mesmas ruas. Assim, acontece que duas fotografias tiradas no mesmo local, no mesmo instante, podem ser totalmente diferentes sem que uma seja menos que a outra um registro real da luz que passou pela objetiva.

E quando um fotógrafo olha para um beco sem saída e sente no que vê angústia, porque não está olhando somente com o globo ocular, não somente luz e sombra, mas coisas invisíveis, indizíveis, como Van Eyck, o fotógrafo procura o melhor ângulo, a fotometragem perfeita, abertura do diafragma, foco, tempo de exposição e leva o negativo para o laboratório, revela, fixa, amplia três, quatro, dez vezes até conseguir mostrar o beco da maneira que ele viu, porque quer comunicar ao mundo aquela angústia e não consegue.

O que o artista sente é uma solidão.

Porque aquela visão é só dele, ele está sozinho nela e ela é um deserto imenso. E não existe frase, verso, música, desenho, escultura, pintura ou fotografia que vá comunicar, tornar inteiramente comum, uma sensação. E a gente tenta, estuda a linguagem visual, a técnica das lentes, da revelação, da arte, assim como Van Eyck dedicou anos ao estudo das técnicas de pintura, porque quer desesperadamente isto: aprender a dizer.

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