Duplipensar

Lia deitado na rede, na varanda do apartamento, já há algumas horas. De repente o livro disse que devemos evitar cair de janelas do último andar e tive um medo terrível, e comecei a imaginá-lo, de estar subindo no parapeito para pular, e pulando. A cena se repetiu algumas vezes de várias maneiras diferentes, intercalando-se com imagens da ficção do livro e da realidade dos olhos, que dizia que eu estava deitado na rede, seguro.

Saí da rede para procurar "solipsismo" no dicionário e tive a absoluta certeza de que ao mesmo tempo tinha também me levantado para o lado oposto, e no segundo passo que dei para dentro da sala, estava morto no chão do prédio. Com toda a certeza.

Espero que minha mãe não leia isto, porque é muito assustador.

Padrões

Presto muita atenção nas coisas que se repetem.
São muitas.

Areia entre os dedos II

Quase que só no mar eu me sinto em casa.
Eu e meu bom amigo temos muito o que conversar.

Sonho triste

Conhecia um astronauta que, eternamente nostálgico das estrelas, dizia que as visões da terra já não o encantavam mais.

Menino

Sem mais daquelas poesias dos desesperados, ah, não, não faço mais. A noite hoje está tão clara que parece errado estar aqui, mas eu estou. Não é conveniente chorar e perder noite sozinho, mas o que eu faço?

Parece que é coisa minha já, que estou crescido assim e não tem jeito, mas sempre tem que ter.

Tem que ter.

Estrelas

O céu é tão grande...
Não é?

Persistência Retiniana

Nós continuamos por ver algumas coisas por um certo período depois que elas já não estão mais diante de nossos olhos. Daí as ilusões do pássaro estar na gaiola, mãos abertas, dois voando. Notas musicais e tons de cor dançando por aí, com asas de anjo. Olho fechado. Olho aberto.

Novidade

Voltei a escrever no Polegar Opositor.
Sobre cultura, especialmente cinema.

Éden

Uma banda da maçã é minha.

Busca

Pra onde foi a violência das crianças?

Noite.

Os últimos são sempre os mesmos.

Notícias

Estou dormindo bem, novamente.
Estou vivo.

Como é

Durante o dia você até consegue se comportar como uma pessoa normal. Tomar café, conversar, emitir uma opinião inteligente e até fazer os outros rirem (e rir você mesmo, acredite, é possível). Mas sempre chega a hora em que as luzes se apagam e todos vão embora, aí você está sozinho no silêncio.

Ler não adianta. O texto vai passar diante dos seus olhos, você pode até pronunciar as palavras, mas o assunto na sua cabeça vai ser o mesmo. Sempre o mesmo, visto de todos os lados possíveis, todas as situações sendo continuadas das mais diversas maneiras, na sua cabeça, se você tivesse dito isso, aquilo, levantado a mão naquela hora, ou não tivesse coçado o queixo com tanto vigor. Tudo seria diferente.

Chega um ponto da noite em que você percebe que não vai dormir, mesmo, e que vai se torturar com estes pensamentos até o dia amanhecer. E é o que acontece. Pequenas esperanças surgem e às vezes você até consegue se alegrar com elas. Talvez, não importa que hora da madrugada, talvez o telefone toque.

Aí você se lembra de todas as pessoas pra quem disse não, e você nunca telefonou pra dizer nada. Então este não que você ouviu fica pesado e parece cada vez mais definitivo. Você sabe que precisa esquecer, mas não consegue, ou talvez não queira ainda. Só mais um pouco, só mais uma carreira de pensar neste assunto, de tentar agradar.

Aí o dia amanhece, mas quem não dorme direito também não fica acordado direito. Mas até que você consegue se comportar como uma pessoa normal.

É assim.

Mais uma vez

Agora são o tempo, o mar e só, somente eles.

Espectro

São dias de muita expectativa.
Não necessariamente, porém, dias de esperar.

Ausência

Estou já há um tempo tentando arrumar na minha cabeça muitas coisas que me aconteceram. Ora parece que terminaram, ora parece que estou bem no meio, vivendo a mudança. E sempre parece que isso de estar em um instante está perdendo o sentido.

Não sei se vou conseguir arrumar, na minha cabeça.

Acabou

É no final de uma coisa que tudo começa a continuar.

Canjica

Eu não posso fazer essas coisas, ficaria evidente a falsidade, as pessoas estranhariam meio que sem saber porquê.

Um instante

A preocupação com as coisas de cada dia e a contemplação das coisas eternas estão sempre se opondo em mim.

Nem sempre, porém, estão lutando.

Dias Estranhos

Tenho visto os dias nascerem, mas não o por-do-sol. São dias estranhos, começam escuros, terminam claros. Entendi que estou prolífico, hoje. Deve ter sido essa idéia de trocar o dia pela noite, que eu ando experimentando.

Eu agora paro muito mais do que escrevo e descobri que muitas coisas de que eu falava muito podiam ser ditas em outras, poucas palavras. Eu cansei de ficar tanto tempo lamentando, descobri que é bom sentir as coisas, viver de dentro, as coisas cheias de cores sem precisar pensar nas cores, em coisas cheias de luz. Não perco mais o sol.

Agora eu vou tomar meu café.

Dias estranhos...

Começam escuro, terminam claro. Agora eu vou tomar meu café.

Canto do Lugar de um Povo

Todo dia, finda a tarde, chega a noite. O sol levanta, a terra cora, a lua amansa. A gente canta, a gente chora, a gente dança.

Poder

Às vezes me dá vontade que alguém erre feio comigo.

Uma tristezinha

Não era isso mesmo que você queria? Conseguiu.

Maio

Vêm as belas chuvas de Maio, na minha cidade.

Clarão

A lua, roubando a luz do sol, o supera em beleza.

O problema

É que às vezes eu esqueço tudo.

Modos

Cada mulher que aparece na minha vida me educa um pouco mais.

Cinzentos...

Pingos de chuva no domingo também fazem muito barulho. Mas, é verdade, às vezes cinzentos eles são mais bonitos. Ficar sozinho assim olhando a chuva, sentado atrás do portão, deixa espaço para aparecerem aos montes as perguntas.

Deve ter gente que abre o coração e é feliz, apesar do perigo. É preciso viver com cuidado? Assim, tenso? Pensar duas vezes, três... Um minuto a menos. Talvez até que não, que os outros não estão aí para me fazer mal. Daí não precisa correr pra chegar primeiro.

Mas continuo sem saber. De vez em quando dá até pra rir.

Pela calçada

Os meus passos podem ficar realmente barulhentos no domingo à noite.

Quem sabe...

A chuva me pegou de surpresa no caminho, agora o corpo pede repouso, cobertores, cuidados. Um pouco de conforto. Existe um certo conforto em andar por caminhos e rostos bem conhecidos. Não estou falando de meses, não estou falando de tempo nenhum.

Se aqui nessa cidade eu sinto alguma saudade, é de uma sensação, alguma coisa que existe em algumas rodas, alguns natais, e em outros não. De não precisar competir. Na dialética eterna do conforto e da aventura, eu agora escolho o conforto.

Vou fazer drama por aí, quem sabe alguém me abraça...

Desejo

Queria agora um vinho. Sábado chuvoso e eu sozinho na casa, talvez sozinho no quarteirão. Tenho andado por aí sem saber direito as direções, onde se pode chegar assim? Quais seriam minhas inteções? Seriam nobres como meu sangue?

Às vezes entre um tropeço e outro me dá nostalgia das antigas novidades, daquela fase em que eu andava pelas ruas daqui me sentindo dono e merecedor, sobre território conquistado. Tudo isso ainda é, mas já é há um ano. Que graça?

É preciso querer e procurar algum desafio novo, porque a graça sempre é conquistar mais. Nisso não há sossego.

Frases

Cadê as frases?

Estão-se escondendo.

Talvez eu devesse me alimentar melhor.

Lagos Andinos

Vejo vulcoes adormecidos da janela. E um lago azul do azul mais azul.

Santiago II

Parece-me uma cidade ocidental globalizada, como Sao Paulo, talvez. As impressoes mal-informadas me dizem que as pessoas aqui estao um pouco mais conscientes do que está acontecendo ao redor, sao um pouco mais ricas e existe uma qualidade intrínseca nos produtos, no material de que é feita esta mesa, os cartazes, as garrafas.

Talvez por ser tudo importado, porque o Chile nao tem exatamente uma indústria. Carros franceses, japoneses, americanos por aí. Filmes americanos em cartaz no cinema, só eles. De que vive este país?

Ainda me marca que a primeira pessoa que vi fora do aeroporto foi um mendigo, que dormia na rua, enquanto passava um perro.

Dizem que amanha fará sol. Vou rodar por aí e depois vou aos vinhedos, promete.

Santiago

Chove muito.

Ontem tive uma visao sonolenta da cidade, 4 da manha. Um mendigo e um cachorro, pessoas andando por ai e se sentindo seguras, mas tudo fechado. Sou um curioso, gosto de entender os lugares, gosto das cidades.

Parando a chuva, saio por ai para sentir o cheiro.

Areia Entre Os Dedos II

- Você pensa muito, não é?
- É... É... - e sorri.

Hoje não sorriria mais diante da mesma pergunta, ao pronunciar a mesma resposta. O que aconteceu foi que surgiu outra bifurcação na minha cabeça. Aconteceu que de repente eu queria ter um desprezo enorme pela verdade, mas é como um vício sair correndo atrás dela, caçando as borboletas do estômago, durante a siesta.

Vai ver a solução pra quem já começou esta trilha seja dar a volta completa, porque virar as costas e voltar já não é possível. Já abri a porta do quarto onde guardam os cadáveres. Aquela felicidade, depois disso, não volta mais - mas existem outras felicidades.

No fim de tanto quebrar a cabeça, a vida deve ser simples.

Areia entre os dedos

Tantas idéias não servem pra nada. Todo esse vigor intelectual, há!, pra ficar pensando o tempo inteiro. Se você fosse realmente esperto, tomaria as decisões com um pouco mais de velocidade, sem precisar raciocinar tantas hipóteses, e talvez tivesse tempo de realmente fazer o que você resolveu que era melhor.

"Ficaram as canções..."

Dedicar uma música a alguém é irreversível. O mesmo vale para momentos especiais, em que uma canção fez toda a diferença. Aconselho muita hesitação antes dizer pra alguém que essa é a nossa música. Porque é uma coisa que exige muita responsabilidade.

Depois, mesmo anos depois, a música vai continuar significando a mesma pessoa. Relacionamentos acabam, momentos passam, o tempo vai transformando certas dores em lembranças suaves, mas a música fica.

É porque pra mim machuca muito ver uma música que era minha ser reutilizada para se referir a outro... Pra mim é um grande crime, uma grande traição.

Vida

O sábado passou como um dia idiota em cujo fim se morre sem motivo, deixei-o passar como se eu não fosse mortal. A coisa mais sábia e prazerosa que eu fiz foi tomar um banho frio às duas e trinta da noite. Água gelada bate bem, dá um frescor que parece a sensação de estar vivo.

Quando me deparo com a expressão "viver a vida", não sei porque, a imagem que me vem na cabeça é a de uma moça bonita correndo na praia no fim da tarde, a visão passa ao redor dela, como se o eu ocular estivesse correndo pela areia também.

Eu tenho a mania de andar dez passos com os olhos fechados, quando vejo que dá. Às vezes dá muito nervoso, abro os olhos no meio e me sinto meio bobo de precisar enxergar o chão pra pisar.

Amanhã vou correr em algum lugar e ver o sol se por no mar.