quarta-feira, julho 27, 2005

É só um chuvisco, mas toda tempestade começa com uma gota d'água. Sinto o vento feito do frio que sobrou da noite quando saio de casa às seis da manhã, fazer para mim um dia novo. Uma aura de sons psicodélicos me protegendo dos barulhos feios que os carros fazem, que as pessoas fazem. Mãos no bolso. Evito olhares. Tenho medo de ter os meus sapatos.

Sinceramente, eu entendo, sim. Eu realmente pensei no que estou falando. O céu vai mudando de cor devagar. Meus olhos transitam entre as frases, meio perdidos nas esquinas, nas vírgulas, nos cruzamentos. Estou indo para onde, mesmo? Os livros. Não, os livros não mudam de cor. Está passando um rapaz numa bicicleta amarela, embaixo do céu. Uma dessas luzes acesas, aqui em cima, é a minha janela.Olha...

As luzes dos prédios como um míope, nú, as vê. Este é um recado completo. A diferença não está em um número, é algo complexo, a óptica explica em seus livros estáticos, imóveis, sobre os quais tenho que me debruçar enquanto, na verdade, filosofo sobre a brancura inerte do teto. Um inseto circunda a lâmpada. Se protege da chuva.

O pior já passou, lá fora é só um chuvisco. Toda tempestade termina com uma gota d'água.

quarta-feira, julho 13, 2005

Não enxergo muito bem os papéis que me dão, o teatro chora ao invés de rir. Falta ao ator uma peça. Tragédia, pessoas fazendo papeís de ávores, fileiras de eucaliptos. Passa por esta Terra um roteiro. Ando a me preocupar, o mundo é um lugar perigoso. É preciso ter muito cuidado: no escuro, substâncias isômeras podem nos confundir.

Aplausos. Foi uma excelente exposição, agora treino o preenchimento de lacunas em papéis. No final disso tudo testaremos nossas competências... Talvez haja alguma referência literária na minha vida, talvez eu me transforme numa citação, talvez me perguntem sobre isso. O público não quer que as respostas lhe sejam dadas assim, tão objetivamente e há nisso alguma beleza. Já estou embaixo deste teto há muito tempo.

Dou ao céu um voto de confiança, que não haja mais precipitações hoje. O teatro se preenche de cadeiras vazias, silêncio e escuridão. O roteiro que sigo até a minha casa é cheio de lacunas, as ruas são cheias de domingos, mas não enxergo muito bem. Olho para trás a procura de algo de memorável, é preciso ter muito cuidado: nos meus olhos, as lágrimas de alegria e de dor podem se confundir.

quarta-feira, julho 06, 2005

Senhoras se incomodam com minha presença intrusiva no espelho do elevador. Desconheço o tema sobre o qual elas conversam, meus fones de ouvido, ainda bem, me impedem, tocando um hardcore que mal entendo, mas pelas palavras que pesco, está ofendendo os parentes das pessoas ricas, como aquelas senhoras. Não quero ouvir papos chatos sobre farinha de trigo, netos que não dão trabalho e lugares onde se encontra roupas bonitas e mais baratas. Estou longe delas. A física é capaz de medir distâncias atrás de espelhos.

Cálculos duvidosos que eu aprendo às sete horas da manhã e em que fico pensando quando subo o elevador com senhoras que olham estranho. Quarto andar, boa noite. Sozinho com as ofensas gratuitas nos meus fones de ouvido. Sei pela minha experiência, faltam seis segundos para que eu chegue em casa, talvez a fechadura resista um pouco, ela precisa de algum tipo de conserto ou óleo lubrificante.

Óleo para o deslize. Um deslize e parlamentares em pânico se ofendem muito mais que os cantores raivosos que já desliguei, mais sons mecânicos, mais ofensas - dessa vez não são gratuitas, mas pagas e muito caras. Questão de ordem. Prefiro ficar distante dentro do espelho. Som harmônico do meu violão se propaga segundo as leis da física, não penso mais nisso.