domingo, outubro 24, 2004

Carta...

Imagino agora que eu poderia estar te tocando, que eu poderia ter te beijado ontem à noite, que muitas coisas já poderiam ter acontecido em minha vida, não só ontem, não só você. Da última vez que aconteceu eu prometi que não ia mais, nunca mais, me calar diante de uma oportunidade. Me sentei ao seu lado no banco do ponto de ônibus, você, sozinha, ia pro mesmo lugar que eu - eu sabia com certeza, porque às vezes as coisas são sabidas assim, sem nenhuma pista. - E me calei.

Estando lá, te vi de novo por mais umas duas ou três vezes, duas ou três vezes me calei. Não enxerguei o que podia acontecer, não enxerguei o tamanho da oportunidade diante de mim, não enxerguei que estava ali o que eu queria, o que eu desejei. Eu sonhei com isso e na hora que aconteceu, aconteceu de eu me esquecer do sonho, de eu fechar os olhos e continuar andando só.

Eu ainda não aprendi, mesmo depois do que já passei, que as coisas podem acontecer - é só a gente fazer, como já fiz antes. - Ainda não aprendi que não depende de tantas coisas assim, que não ser conhecido seu até então não era problema nenhum, porque as pessoas se conhecem mesmo é na vida e a vida está acontecendo.

Se eu te vir de novo, prometo não me calar.

quinta-feira, outubro 21, 2004

Acordo bem cedo, porque agora estou distante do colégio, faço um trajeto de uns 40 minutos de ônibus. Quando passo pelo portão do prédio, encontro o porteiro que passou a noite inteira em serviço cantando uma daquelas canções antigas - e canta muito bem. Bom dia! E ele responde com alegria e fineza. O sol da manhã no rosto é gostoso, não queima, aquece, dá energias para carregar a mochila. A volta pra casa, com o sol do meio do dia é mais cansativa, mas é compensador chegar à mesa posta ao final dele.

De tardinha, lendo na varanda. Existe uma imensidão de árvores diante de mim, é uma linda paisagem. De tardinha, elas ainda se mostram verdes, bem vistosas. Ainda há o verde na luz, nas folhas, nos meus olhos e eu entendo o que a ciência explica para este fenômeno. O céu ainda é azul, mas vai perdendo a cor gradualmente. Ele passa, durante alguns minutos, por um amarelo bem da cor do sol e este amarelo bate nos prédios, no parque, na rua, nas costas das pessoas, na minha varanda, no meu livro e é a hora mais bonita do dia. O ar fica frio, a luz vira sombra, o céu fica vermelho e também é muito bonito. Li mais um parágrafo e escureceu. Luz artificial, mas só aqui dentro de casa - não chega nas árvores. Fica tudo umbral, não se sabe do que é feito, até onde vai e então tudo parece imenso.

É noite e o silêncio é impressionante. Estou numa metrópole, mas a proximidade do Parque Da Cidade trás a tranquilidade de uma fazenda. Estou no décimo primeiro andar e ouço grilos. Não há muito barulho de carros, não há caixas de som tocando pagode. Só existe a música que eu quiser ouvir, se eu quiser ouvir. Estou adorando morar aqui.

sábado, outubro 16, 2004

Tudo é novo. O vento, enquanto durmo, vem de outra direção. As distâncias são outras, as gavetas são outras, outro lugar para deixar o tênis e pegar a sandália... Ontem me bati na saboneteira enquanto tomava banho, conheci meu inimigo... Outro caminho para ir pro colégio - este que só terei que fazer por mais um mês na vida. Me mudei de apartamento e de bairro. É um lugar distante de onde eu costumava viver, mas é bom explorar novos ares, conhecer pessoas novas, possibilidades novas.

Estive ocupado com isso... Conto mais depois.

sábado, outubro 09, 2004

Porque as mariposas gostam tanto da luz? Não lhes machuca as vistas? Quando eu olho demais para ela, fica uma mancha nos meus olhos. Verde, azul, e no final se vê o vermelho... Depois a mancha some e volto a enxergar o mundo no mesmo preto e branco. O asfalto, os prédios não têm muito colorido. O mundo é um pouco chato e para o entretenimento, precisamos imaginar algumas coisas. Se apago a luz, vão-se embora as mariposas. Prefiro a escuridão.

A música fica bem no meio da cabeça e de lá chega os ouvidos, às vezes à boca. É incrível o que se consegue pensar andando sozinho na noite, cruzando com outras criaturas notívagas, com um pouquinho de medo de alguma delas lhe fazer mal, mas no fundo, acreditando que vai chegar em casa. Em casa, onde eu... Moro. Onde eu durmo, onde eu fico só, onde eu guardo meu violão, água.

O mundo tenta me convencer de que se eu estou sozinho hoje, se estou em silêncio, se não estou na Fashion Club me divertindo a valer, se estou em casa numa noite de sábado e se não tenho ninguém para fazer sexo, é porque sou incompetente. O mundo tenta, mas não consegue. As idealizações de vida nos outdoors de condomínios fechados não me seduzem. Eu sou maior que isso. Eu prefiro a escuridão.
Hoje amanheceu escuro...

Recobrei a consciência depois do desmaio, ouvia vozes, mas não identificava frases ou melodias. Abri os olhos e senti falta de pinturas, de cores, de vermelho, o cheiro era de chulé. Era o chão, onde as pessoas pisam.

Não gostava de lá. Era medíocre, uma prisão e eu estava algemado pelo conformismo, não tinha sede, fome, desejo. Era o vácuo entre o fim de uma historia e começo de outra. Uma página em branco entre dois capítulos. As personagens descansavam, minhas pernas estavam dormentes e eu desmaiado.

Acabou. Agora acabou de uma vez. O passado se encontra no passado, está tatuado na minha biografia, ninguém tira de mim, ninguém acrescenta nada. Hoje, daqui a um segundo, começa o futuro. Eu quero, eu sou, eu sei.

Já passou um segundo, já começou... Porque eu decidi.