domingo, fevereiro 29, 2004

Vários tocos de madeira flutuando e eu vou afundar mais uma vez. Não sinto mais vontade de respirar, não sei se a luz desse sol imenso é boa pra mim. Só o sal e a água do mar. Não tenho vontade nem fome ou sede. Não quero um balde de água no rosto, não estou dormindo ou delirando. Não sei chorar nem mentir. Nada me move do canto escuro do quarto, nada.

Eu vou afundar mais uma vez só pra me sentir solto como só posso dentro d'água. Só pra não precisar fazer esforço nenhum por algum tempo, porque se eu me mexer vou perturbar algum tipo de ordem, se eu nadar será para a superfície, o nível do mar, o ponto zero nem mais nem menos. O zero é uma algema presa a um cabo de aço. Me soltei e vou descer para onde os raios solares não me alcancem e eu possa viver no escuro, sem refletir luz alguma, sem nada.

Quando meus pés encostarem no chão, vou dar o maior pulo que alguém já viu, para além das núvens.

quarta-feira, fevereiro 25, 2004

É, eu fui para as ruas de Salvador ver os trios elétricos. Eu não tenho nenhuma aversão ao Axé, mas há algum tempo não se faz mais Axé de qualidade. Acreditem, paulistas, o Axé de qualidade existe. Nem sempre foi essa pobreza que reina no mercado fonográfico baiano. Por duas noites saí para a folia. Eu me divirto mais quando não tem nenhum trio passando e se está na espera do próximo. Nesses intervalos dá pra conversar normalmente e interagir com membros do sexo oposto com mais tranquilidade. Quando o trio chega, tudo se balança e se perde. Gosto também de andar de um ponto do circuito ao outro pelas ruas paralelas, onde estão barracas de drinques e muita gente interessante. Passei uns 40 minutos conversando com um catador de latas que se intitulava O Músico; tocava flauta ligeiramente bem, falava um pouco de inglês e francês, conhecia sambas antigos, bob marley, e bebia bastante. É o povo baiano.

No sábado fui para o Pelourinho, um centro histórico de Salvador. Lá eu pude ver um carnaval culturalmente muito mais rico. Blocos afro, tambores que tocam no fundo da alma e os negros mostrando seu teatro e dança com alegria. Turistas da alemanha trançando os cabelos em banquinhos de madeira, cordões de samba e proclamadores de cordéis. Ali estava um carnaval genuíno, tradicional e ainda muito vivo. Também é o povo baiano.

Depois me peguei cantando, sem perceber, "Na cadência do Samba". Encarei deliberadamente o refrão como uma premonição e fiquei longe das ruas. Fugi para Jauá: Sol, praia e tranquilidade. Nas cidades do interior, a programação noturna sempre é ir na sorveteria local, que todos dizem ser excelente (mas é normal), depois voltar pra casa e jogar dominó. Eu adoro dominó e paz. Ainda mais ouvindo músicas de qualidade com amigos significativos.

Já coloquei o despertador para às 6. É, porque o carnaval já acabou e amanhã eu tenho aula. Não quero ir, mas não quero ir nenhum dia. Só sei que devo e vou, quando chegar lá eu penso em algum jeito de fugir. Mas sinto que já será tarde. Já é tarde: eu já nasci. Não dão muita escolha às crianças, mas admito que a minha escolha teria sido essa mesma. Talvez eu tenha escolhido bem antes. Só me resta seguir o rumo normal dos dias. A segunda depois do domingo, a quinta depois da quarta-feira de cinzas.

sexta-feira, fevereiro 20, 2004

Começou o carnaval em Salvador. As pessoas estão todas loucas, as mulheres e os homens saem com o mesmo objetivo animal. A polícia aconselha cuidado: os homens fardados, armados de cacetetes, machucam o povo. Os ladrões, muito furtivos, roubam os pacatos cidadãos que assistem a festa. Os gays - e as bichas - perderam totalmente a inibição e se beijam à vontade. Os heterossexuais fazem até pior e sem o consentimento do parceiro. Os trios elétricos, o axé cada vez pior, homogêneo e menos inspirado. As músicas de carnaval realmente boas são anteriores ao meu primeiro carnaval, eu só vi sobras delas. Mas todos ainda fazem questão de tocar, nem todos sabem. Pra falar a verdade, tem homem-branco demais no carnaval.

As árvores e o capim da cidade, o mar e eu continuamos os mesmos.

E eu consegui escrever uma poesia:

A Ordem

Não era um berço explêndido
Mas uma boa idéia nasceu
sobre os homens que caminham
E os que esperam sentados

Os caminhos podem se extender
Além de onde já fizeram ruas
As pedras podem ser removidas
... às vezes elas nem existem

Ninguém nasce com amarras ou correntes
O que prende os homens são ilusões
Fidelidade ao brasão do fardamento
Tradições que não merecem viver mais

Não se prenda no chão
Com medo de outro tropeço
Um sábio já aconselhava
Levanta-te e anda

Ele disse:
Sejam livres, meus irmãos
Mas pensamentos ainda são queimados
Na fogueira da santa ignorância

domingo, fevereiro 15, 2004

Estou numa certa letargia de criatividade e acho que nem consigo escrever sobre isso direito. Já faz um mês desde os meus últimos versos e um pouco mais desde a última composição musical que foi até o fim. Acho que estou com o espírito ocupado de pensamentos medonhos, mesmo que eu não faça tanto assim durante as tardes. Os professores do 3º ano continuam tentando assustar e eu acho isso cada vez mais ridículo, estou cada vez menos preocupado e imagino se isso é bom ou ruim para a minha aprovação no vestibular, na qual eu tenho muito interesse. Terça-feira eu estava assustado.

Eu me imaginava daqui a 3 ou 4 meses; dentro do meu quarto, cercado por pilhas de livros e fórmulas de física, matemática, química e biologia espalhadas pelas paredes, o violão e a guitarra guardados no armário. Era o limbo. E todos em suas respectivas casas passavam pelo mesmo drama. "3º ano é morte lenta", eu pensava. Meu medo não era perder no vestibular, era ter um ano triste. Pra falar a verdade, o ano letivo começou mal. Não estou vendo boas novidades no meu círculo social, as caras continuam as mesmas e algumas ameaçam desaparecer. Eu deixo muito fácil as pessoas desaparecerem de minha vida, isso deve ser minha culpa. Preciso revisar minha lista de telefones. Sempre fui um menino de poucos amigos. Além do fator social, entrei no ano com uma das piores gripes que já peguei, já dura duas semanas mas parece estar no final. A gripe me mantém dentro de casa com medo de recaídas.

O cenário que se vê no meu quarto é bem diferente do apocalipse acima. O amplificador da guitarra está bem ligado, o livro com o marca-páginas não está na lista do vestibular (Noite Sobre as Águas, de Ken Follet. Ótimo romance.) e estou tranquilamente postando para o blog e ouvindo Los Hermanos. Estudei só um pouco essa semana, o que, comparativamente, é muito já que eu nunca estudei nem um pouco, a não ser quando estava mal em biologia no ano passado. Mas o professor de biologia desse ano é bem melhor. Estou mais preocupado em escrever músicas e poesias novas que em estudar mesmo. Eu não posso deixar de lado a banda, o mar ou o carnaval em nome da aprovação no vestibular. Posso conciliar os dois muito bem... Mas talvez eu fique um tempo longe do blog.

quarta-feira, fevereiro 11, 2004

Estou dormindo melhor e minha tolerância em relação às pessoas com que convivo melhorou. Elas só estão lá lutando por suas vidas, assustadas pelos professores e pelo tempo que deverão arrumar para tantos estudos. Assim como eu. Acho que estou na fase mais imediatista da minha vida. Tudo que faço e que estudo é voltado para o vestibular no final do ano. Se eu vejo o jornal na televisão, leio as revistas da semana, um livro, um conto, escrevo um post para o blog ou a resposta de um exercício, estou fazendo isso para o vestibular. E enxergo claramente a necessidade de tudo isso. De não relaxar e estudar como nunca estudei, e nunca estudei, para fazer a tal da prova. Todos na sala estão calados ouvindo o professor. Estamos na primeira semana.

Lembro-me da segunda série do primário. Era a primeira semana de aula e a professora me escolheu para entregar papéis. Era um dever de casa: palavras cruzadas e umas contas de somar. Todos acharam um absurdo. "Nâo pode, é a primeira semana de aula." Podia sim, e estava acontecendo. Era incrivelmente fácil responder, mas eu nem dei importância. Quem daria? Agora é a primeira semana do terceiro ano colegial, os professores mal tem tempo de dizer seus nomes e já começam com perguntas difíceis. E todos se esforçam para chegar às melhores respostas. Pode sim, está acontecendo.

O vestibular? Eu ainda não tenho certeza do que ou onde vou fazer. Sei que ele não me assusta. Sei que posso passar tranquilamente sem ter que arrancar os cabelos, é só ter responsabilidade. Será a última vez que terei que ouvir essas aulas sobre coisas que não me interessam. E depois sei que ainda vou me lembrar com saudades do meu tempo de colégio, dos meus amigos e das tardes de sábado que virão. Só tenho medo de não me divertir o suficiente. Estou olhando ao redor e não vejo novidades. Mas é melhor ter calma, ainda estamos começando.

segunda-feira, fevereiro 09, 2004

Estava num jardim, ou em qualquer lugar feliz e verde, não sei, não importa. Uma pessoa querida me fotografava com uma moderna Polaroid. Era uma polaroid, mas ela dizia que a foto seria digital e eu poderia ver na internet. Me pedia para olhar e sorrir e eu o fazia. Não por querer sair bem na foto, mas porque a fotógrafa era querida e ela ficava feliz em fotografar. Pena que era um cochilo e o cochilo acabou. Ainda estou na aula de física. Segunda-Feira, 9 de fevereiro de 2004, terceiro ano colegial, aula de física.

E me vi cercado por 40 pessoas toscas, amaldiçoei de uma vez só todos os seus sonhos e me diverti imaginando o que faria com uma metralhadora carregada. Foi um lapso de raiva, passou. A volta às aulas normalmente tem um clima leve e alegre, as pessoas se revêem, se abraçam, contam histórias bestas e os homens dizem que beberam muito e estiveram com muitas mulheres... Eu não estava interessado nas histórias de ninguém. E ninguém estava interessado nas minhas, mesmo que tenham perguntado, só queriam uma respostas simples e objetiva que não lhes gastasse muito tempo. Eu sou muito bom nisso. Já tinha revisto ou falado com todos os meus amigos antes de voltar às aulas. Alguns estão faltando perto de mim na sala. Alguns novos não me chamaram a menor atenção.

Esse ano, a volta foi marcada pelo medo, insegurança. Certeza de que será um ano difícil em que estudaremos um século por semana, que no final passaremos por uma fina peneira e que nem todos vão passar. Poucos vão passar. E depois daí vem uma nova vida. A bola de borracha vai explodir e não seremos mais um sopro, faremos parte do ar poluído da capital. E mesmo aqui tendo mar, verde e céu azul, vai ser difícil. Todos sabem que vai ser difícil e estão apavorados. Esse ano conclui-se uma etapa, e eu me vejo cercado por 40 pessoas toscas.

sexta-feira, fevereiro 06, 2004

Porta, janelas e cortinas fechadas, cobertor não sei porque, o corpo quente. Tosse cheia, viro para a esquerda, para a direita, deito de um jeito, de outro... Nada. Passei a noite inteira num estado de semi-consciência, perturbações, tormentos. Tosse, nariz entupido. Eu me imaginava num salão oval que era minha cabeça, estava confortável ou não a depender da minha condição de respiração nasal. A fantasia toda poderia parar se eu abrisse os olhos eu o fiz diversas vezes, mas voltava quando eu decidia tentar dormir novamente. Não dormi nem fiquei acordado.

Me via como se estivesse numa multidão, mesmo sabendo que estava sozinho deitado na cama, me sentia como se houvessem pessoas comigo e suas vozes ecoavam no salão oval, estavam todos lá... E como eu estava muito bem acordado, sabia que eram só uma criação louca. Falavam em roubar, vender, ganhar dinheiro, negociar... Era muito esquisito. Abria os olhos. Sumiam. Fechava. Voltavam. Não paravam de falar, às vezes até sobre o sono, sobre si mesmos... Tinham sempre uma idéia nova do que fazer: correr, jogar bola, pular carnaval... Cheguei a imaginá-los pequeninos andando pela minha cama como pequenos bonecos e cheguei a tentar pegá-los com a mão e jogá-los longe.

Essa alucinação durou mais ou menos 6 horas, eu diria. Já estava claro quando me levantei para ir ao banheiro, fui beber água e quando voltei consegui dormir bem. Deve ter sido a noite mais estranha da minha vida. Pelo menos quando acordei, me sentia melhor da gripe.

segunda-feira, fevereiro 02, 2004

A maior manifestação de união que já vi entre pessoas desconhecidas é a rodinha nos shows de rock. Pode parecer violento para quem vê de fora, mas eu já entrei num desses liquidificadores diversas vezes e nunca me machuquei, aliás, quando isso acontece com qualquer um, a ação se interrompe de imediato para socorrer o possível ferido. Os expectadores da Timbalada, por exemplo, costumam ser muito mais violentos e individualistas. Confie, eu já experimentei também. Por isso eu amo o Rock.

Nos últimos 5 dias eu assisti shows excelentes de Los Hermanos, Titãs, Rita Lee, Paralamas do Sucesso, Sepultura, O Rappa e Pitty. É o Festival de Verão de Salvador. Dizem que é o maior do Brasil em público, mas não estou seguro dessa informação. São 5 noites, cada uma com 5 ou 6 bandas de origens e estilos variados. Já é a terceira vez que compareço e sexta vez que o festival acontece. É uma grande festa onde os produtores ganham muito dinheiro e o público se diverte muito.

Estive lá todos os dias com um grande amigo, conhecido há anos. Gosto muito dele, porém, na maioria das vezes, nossa conversa se restringe à beleza e transitoriedade das mulheres em nossas vidas, num aspecto prático. Eu sou como um camaleão e algumas pessoas não gostam dessa minha característica, mas é essencial para se divertir com qualquer tipo de companhia. Eu me adapto, faço piadas não tão inteligentes e as pessoas riem. Muitas vezes eu desisto da possibilidade de convencer as pessoas de minhas idéias adversas, eu não tenho interesse em inserir meu modo de pensamento em ninguém. Mas não deixo de falar em algumas situações oportunas com gente disposta a discutir a beleza e transitoriedade das mulheres em nossas vidas, num aspecto filosófico.

Então esse amigo e os outros que comigo estavam não quiseram ir para o show do Sepultura, ficaram nas outras atrações do festival. Eu fui. E lá estava eu na roda desfrutando desse momento mágico, jogando aos ares pessoas desconhecidas no maravilhoso mosh. Vejo la uma silhueta conhecida, é o namorado da minha ex-paixão platônica e atual amiga, um cara muito legal. Nos comprimentamos e moça imediatamente veio até mim. Não nos falávamos desde que tinha viajado, era a única das pessoas importantes da minha vida com quem não tinha tido contato ainda.

Conversamos. Com ela e seu namorado, posso ser confuso e louco, posso discutir o assunto que eu quiser e me sinto bem assim. Dos meus vários Eus, acho que esse é aquele de que eu gosto mais. Ele se manifesta em outras companhias também, mas não ultimamente e eu estava sentindo falta de mim mesmo. Conversamos depois do show por algum tempo depois nos perdemos... Show é assim mesmo. Agora estou devendo alguns telefonemas. Viva a loucura, a liberdade e o Rock.