quinta-feira, janeiro 29, 2004

Nem todo mundo entenderia tudo que posso dizer. Com a maioria das pessoas eu não me dou ao luxo de ir muito longe nas conversações, me limito a discutir o futebol, o clima, o próximo show... Com algumas posso até discutir política e música, adentrar o terreno filosófico e platônico já com poucos, falar dos meus sentimentos com quase ninguém. Mas raras mesmo são as pessoas com quem eu posso ser confuso, soltar as palavras do jeito como subiram à garganta e esperar entendimento... No mínimo uma dúvida cabível e não uma expressão atônita e surda. Eu vejo muito isso.

Quando eu estava na segunda série, a professora fez com que todos os alunos lessem a mesma frase. Era uma frase moralmente importante para a formação de todos, suponho, mas não me lembro exatamente a origem disso. Todos os alunos antes e depois de mim leram a frase. Eu a disse, já a sabia de cor desde a segunda vez que tinha ouvido. Isso não parece ser nada difícil e não é mesmo, mas as pessoas liam, olhos grudados no papel e uma sílaba depois da outra devagar. Não é de se esperar mesmo que meninos da segunda série possam ler rápida e fluentemente. Mas havia um caminho mais rápido. Não sei porque não o seguriam, acho que ninguém pensou nisso naquela classe... Mas não é nada exepcional.

Anos mais tarde eu era primeiro ano colegial e o professor de geografia dava as pinceladas iniciais no quadro negro. Começou a fazer perguntas a várias pessoas sobre diferenças climáticas entre os hemisférios Sul e Norte. Aquela história de que quando aqui é inverno lá é verão e outras coisas baseadas no mesmo princípio. Todos se confundiam bastante na hora de responder. O professor não apontou a caneta para mim dessa vez, mas uma aluna nova no colégio teve sua chance de responder. A menina respondeu com a facilidade que cabe a esse tipo de pergunta. Sim, era mesmo muito fácil, mas ela me chamou a atenção. As outras meninas todas erraram algo, ou precisaram da ajuda do professor.

Duas semanas depois eu estava apaixonado por ela. Descobri enquanto assistia o enfadonho Assassinato em Gosford Park. Não conseguia parar de pensar nela. Aliás, foi por isso que iniciei minha carreira de bloggeiro. Com ela eu me sentia livre para ser confuso, para discutir política, música, filosofia e sentimentos. Para nós dois, as coisas corriqueiras como ler frases e responder perguntas de comparação climática não valiam conversa alguma. Pelo menos eu acreditava que ela também pensava isso. E acreditava que ela pensava todas as melhores coisas e nenhuma das piores.

Demorou, mas chegou o tempo em que toda essa idealização passou. Agora ela é a única pessoa importante para quem não telefonei ainda. Telefonei, mas ela não estava. O estranho é que me acostumei a sentir falta dela em todos os momentos em que ela não estava e agora nem sei se vou tentar ligar para ela de novo amanhã. É a vida...

segunda-feira, janeiro 26, 2004

Verde nas árvores. Há quanto tempo não via o verde nas árvores? Estavam todas secas no hemisfério norte. Foi com muita alegria que pisei em Salvador depois de 10 horas voando. O piloto anunciou: estávamos prestes a aterrisar, temperatura local 28 graus. Eu ainda estava com duas camadas de roupa sobre o meu corpo, era estranho me imaginar na rua só com uma. Vejo meninos de camiseta, shorts e sandália; não vão ficar gripados nem morrer de frio e isso é perfeitamente normal. Estou na Bahia, amigos, e a Bahia tem um jeito... A viagem foi ótima, perfeita, não poderia ter sido maior nem menor, deu tudo que podia dar e agora estou de volta. Nativo do chão onde piso, conhecedor das ruas e das placas... E pelo que me consta, ainda tenho duas semanas de férias. Já encontrei boa parte dos meus amigos, terei encontrado todos os importantes muito em breve. Tenho muito o que ouvir e muito o que contar.

Posto direito quando estiver melhor com as palavras, mas saibam que cheguei em casa, estou morrendo de calor mas estou feliz.

sexta-feira, janeiro 23, 2004

Minha jornada chega ao fim, estou satisfeito. Vou para casa com experiências valorosas e divertidas nas costas, não pesam. A mala volta da mesma forma que veio, não comprei nenhum souvenir para mim nem para ninguém. Os novos CDs vão na bagagem de mão. Devo lhes dizer agora, no fim o que achei de Paris.

A primeira coisa que me chamou a atenção nessa cidade foi o sistema de transportes. Para quem vive em Salvador, onde só existe o sistema de ônibus falho e mercantilista, o metrô é uma gratificante surpresa. Paris é uma cidade ótima para o seu ego urbano: estou numa metrópole mundial e me locomovo com facilidade de uma ponta a outra da cidade sem ter que perguntar nada a ninguém. É bom. É barato.

Notei depois de andar mais um pouco que a cidade é, como dizem, linda. A beleza aqui brota do chão, das paredes, dos olhos azuis das moças, das sacadas, do teto, das vitrines. Paris é absolutamente linda, magnífica, grandiosa. Paris é um colírio.

Os parisienses é que não colaboram, "porque nada é perfeito", ouvi por aí. Mal humorados. Entram e saem dos lugares com sacolas, problemas... e livros. São muito esquisitos. Procuram sempre a linha de visão onde há a maior distância entre eles e os próximos. Principalmente com os turistas, mas também entre eles mesmos. Olham para baixo, para o outro lado ou para seus livros, revistas ou jornais. Lêem muito e falam muito pouco, são excessivamente presos às regras e convenções. "Se fossem legais seria o paraíso, e o paraíso não está na terra."

Existe porém, um nicho de resistência à chatice dos francêses, esse nicho se chama Cité Internationale Universitaire de Paris. Felizmente, foi onde eu passei a maior parte do meu tempo na França. Funciona assim: É um lugar enorme, um parque, onde vários países tem suas casas representantes, originalmente para abrigar estudantes de sua nacionalidade, mas hoje em dia, tudo é misturado. A Cité tem uma programação cultural intensa: tem dois teatros que sempre estão com espetáculos de dança, música e teatro, cada Maison propõe suas festas, shows e tudo mais. É um lugar que tem a felicidade de estudantes do mundo todo. Um contraponto aos cabisbaixos franceses. Aqui frequentei muitas festas e conheci pessoas interessantes.

Paris, na balança, não é um lugar ruim para se morar. É uma grande metrópole de onde se tem acesso à cultura do mundo inteiro através de museus, centros de cultura, bibliotecas etc... O estímulo e investimento na cultura aqui é muito forte, por isso, artistas e estudantes do mundo todo vêm para cá. É uma cidade densa, pesada, mas não é ruim. Porém, existem melhores. Em Londres e Bruxellas, por exemplo me senti muito melhor, o ambiente é melhor. Mas a beleza de Paris, não se encontra em outro lugar. É o melhor das arquiteturas e artes plásticas humanas, mas volto para o Brasil, onde vejo da melhor arquitetura da natureza.

Paris, au revoir!

terça-feira, janeiro 20, 2004

Quando eu voltar pro Brasil, farei um novo template e colocarei links para Dani, Canjicas, Ele e Ela e outros de que não me lembro agora, novos leitores que vieram com o ano novo (curiosamente, sempre no inicio do ano tenho esse tipo de novidade).

Mas o que eu vim dizer é que os vídeos da minha visita à europa estão na internet.
O dia em que nevou (apx 4 mb)
No topo da torre Eiffel (apx 3 mb)
O Stonehenge (apx 4,5 mb)
Fim de semana em Bruxelas (apx 11 mb)

Divirtam-se.

domingo, janeiro 18, 2004

Intenso. Me disseram para viver meus derradeiros dias na Europa de forma intensa, então eu vou contar o meu fim de semana. Sexta-feira à noite fui para uma festa que os residentes daqui organizaram. Entraram pessoas pela janela, a sala estava apertada e o DJ não vacilou. Festa acabou cedo, mas umas honrosas pessoas não estavam satisfeitas. Quarto 346, Pink Floyd, violão, uma garrafa de whisky, uma italiana lindíssma com um piercing no nariz dizia que Veneza estava desaparecendo. 3:46 AM, eu tentava dormir.

7:26 AM, acordo. Tenho um trem para pegar, Thalys para Bruxelas. Vamos lá. Estou acabado, mas vamos lá. Vomitei no trem. Não em cima das pessoas, tive a prudência de ir ao banheiro. Depois melhorei, pálido e faminto, mas disposto. Bruxelas.

Bruxelas é linda, tranquila, muito fria nesse FdS, as pessoas são legais... É a cidade mais Européia em que estive na minha viagem. Paris e Londres tem muitas influências do novo mundo, Bruxelas é meticulosamente européia, as pessoas usam casacos escuros, tem as bochechas rosadas, o sol faz um amarelo bonito quando bate nos edifícios. Nada de vermelho Coca-Cola ou de McDonnalds. É uma cidade pequena, só tem 140 mil habitantes e meu palpite é que tem mais turistas ou gente à negócios que moradores por metro quadrado no centro da cidade. A sede da União Européia, o menino mijão, uma molécula de ferro aumentada 200 bilhões de vezes, a Grot Markt, linda praça com construções impressionantes e restaurantes não tão caros como o esperado servindo muito bem. Boas cervejas.

Um fim de semana foi suficiente para passear por bruxelas. Se ficasse mais tempo lá já não teria mais nada interessante para ver, a cidade é pequena, vi todas essas coisas a pé, só andei de metrô da estação até o hotel e volta. Me senti mais europeu lá que em Paris. Agora estou de volta para a última semana. Tenho mais 5 dias, 6 noites e uma manhã. E volto para o Brasil, então vou adiantando como meus dias serão: intensos.

quinta-feira, janeiro 15, 2004

Devolveram meus óculos. Só os óculos. Telefonou um moço dizendo que o havia encontrado no restaurante. Ficam duas hipóteses: O rapaz que pegou meu casaco deixou os óculos lá e inventou a história ou deixou displicentemente os óculos no restaurante, e um rapaz nobre o levou ao achados e perdidos e telefonou para cá guiado pelos anúncios. Não importa. Tenho meus óculos de volta. O incidente da perda do casaco (vide post 03/01/2004) acabou sendo bom no fim das contas. Eu fiquei bem triste e cabisbaixo nos dois dias que se seguiram, mas depois recuperei o ânimo e fiquei ainda melhor do que estava antes. Não deixei de ir às festas, o barman já brinda comigo e tenho um grupinho internacional com que estar.

Ontem fui a um concerto de jazz e música sul-americana na maison da Argentina, mas que não teve jazz nenhum. Tocaram (mal) 12 músicas, dessas todas, 6 eram do Brasil. Ouvi com muito gosto amostras da genialidade de Gil e Caetano. Aliás, uma coletânea de Caetano estava como destaque na loja principal da Fnac. O Brasil é, culturalmente, muito respeitado aqui. Não só no campo da música, mas também na dança, teatro e TV. A globo é bem cotada entre as pessoas latinas e algumas pessoas chegam a saber nomes de atores brasileiros. Muito me alegra.

Começo a sentir falta da Bahia, do calor do sol e das morenas do sorriso largo. Começo, ao mesmo passo, a gostar bastante da vida aqui dentro da Cité Universitaire Internacional. É um lugar enorme onde vários países tem suas casas, originalmente para abrigar estudantes compatriotas, mas acabou-se misturando tudo. Aqui na maison inglesa tem 6 brasileiros. É um lugar de clima muito leve e eu ando tranquilo. E os universitários festejam muito.

Ontem fui à mais uma festa na maison Deutsch, encontrei meus amigos brasileiros, ingleses e de todo outro canto. Estou em contato aqui com pessoas que mergulharam totalmente na vida no exterior. Uma moça que está na inglaterra há 7 anos, desde os 14, estuda psicologia em Oxford e está fazendo algumas matérias em Paris (que é o maior centro de psicologia do mundo, segundo ela), outro que estuda na África do Sul há 3 anos e veio completar o curso aqui, uma que ganhou uma bolsa na holanda e vai direto para lá... E eu com meus 17 anos vendo o mundo todo dançar num porão, com saudades da Bahia e pensando no vestibular do fim do ano, se vou fazer Jornalismo ou Comércio Exterior, se vou fazer na Bahia, em São Paulo, em Brasília... Pensando de longe em Londres. Pensando nos meus amigos, no carnaval, grande e pequeno, muito e pouco.

Veremos a mesa que a vida me reserva para o almoço. Eu ainda estou no café da manhã, mas acredito que já acordei e lavei o rosto.

domingo, janeiro 11, 2004

Estava ali sentado na poltrona, o notebook ligado porque é o único aparelho que toca CD no pequeno quarto onde estou vivendo. Eu lá sentado de meia, porque durmo no chão e não é bom entrar com o tênis. Tinha acabado de chegar, tirado o tênis e o casaco e estava decidindo que gostava de água Perrier, que The Bends (Radiohead) é a melhor aquisição que fiz aqui e que a música de mesmo nome vai entrar no repertório da banda assim que eu chegar no Brasil e retomar os ensaios. Queiram os outros ou não.

Eu tenho feito coisas interessantes, vivido aqui. Não estou visitando a cidade, estou morando de férias. Acho que vou sentir saudades daqui quando voltar. Do clima universitário (que eu vou acabar recuperando dentro de um ano, se tudo correr como o esperado), do ônibus impecável, de algumas pessoas que conheci aqui e que, provavelmente, não verei outra vez na minha vida... Estranho, mas eu sei que todas as pessoas que conheço aqui na Cité Universitaire são totalmente temporárias, totalmente indispensáveis para o bom proveito da minha estadia. Eu gosto delas, mas sei que não haverá pombo correio nesse mundo que nos mantenha unidos.

Minha viagem agora está acabando. Ainda tenho muito tempo, mas ela já terminou de começar e começou a terminar, a contagem é regressiva. Duas semanas. No próximo fim de semana vou a Bruxellas, é uma cidade pequena e o tempo será suficiente. Eu quero ver, ouvir, tocar, cheirar tudo que eu puder. Quero ir comprar pão, passear pelo parque, ver o pôr-do-sol num dia bonito, exercitar minha socialidade, minha solidão, meu corpo contra o frio, contra outro. Ver todas as construções mais lindas da cidade, tomar vinho, comer pão e ver os vitrais das igrejas góticas. Comprar um calendário bonito e em preto e branco.

Voltar pro Brasil novo, respirando e pensando de maneira mais abrangente, livre. Rever as pessoas que eu amo, ir à práia da Aleluia, ao boteco da Ladeira da Barra, ao Parque de exposições, voltar ao meu quarto e marcar mais um dia no calendário bonito e em preto e branco. Mas saibam que eu estou gostando daqui.

sexta-feira, janeiro 09, 2004

Confesso que no início concordei com a medida do juiz mato-grossense, mas depois de muito pensar e de, é claro, ser massivamente manipulado pela imprensa européia, eu vejo que o Julier Sebastião fez uma grande besteira, colocou o Brasil numa situação delicada e ainda deixou claro que a nossa Polícia Federal tem diversas carências.

Diplomaticamente, demonstramos infantilidade. Os EUA estão cadastrando todos que entram para se defender de terroristas e estão fazendo isso com todos os imigrantes que precisam de visto, Brasileiros mais uma centena e meia de nacionalidades. Aliás, eles extenderam o cadastro mais rigoroso por temerem acusações de preconceito vindas dos países muçulmanos, obviamente a fonte maior de pessoas que odeiam os norte-americanos com todo o coração que Alah lhes deu.

O Brasil só está cadastrando os americanos, que teoricamente não oferecem nenhum risco ao país e ainda trazem dinheiro, enquanto colombianos, bolivianos e outros entram livremente com as bolsas cheias de cocaína e levam o dinheiro dos filhinhos de papai. A polícia federal poderia estar dando atenção maior ao tráfico de drogas, que é o nosso grande problema (se não o gerador dos nossos grandes problemas), se não fosse essa medida estúpida do juizinho. Medida, aliás, que inflou o ego nacionalista e anti-americano de muita gente do Brasil, o que, no final das contas, reforça a razão dos americanos em fichar os brasileiros.

O cadastramento que acontece nos Estados Unidos não é brutal, xenofóbico e nem um pouco parecido com o que os nazistas fizeram, como afirmou o juiz. O cadastramento lá dura minutos, é todo digital e eles se prepararam para fazê-lo com muita tecnologia. Eu pessoalmente adorei tirar minha impressão digital à laser no museu da ciência em Londres. No Brasil, o processo é brutal. Os americanos cheios de dólares são forçados a ficar horas esperando enquanto um Federal com uma câmera digital e um papilocopista tiram sua foto e impressão digital no papel, sujando a mão de graxa e tudo mais. Os documentos arquivados aqui no Brasil não servirão para nada. Nos EUA, eles estarão para sempre arquivados no sistema e sempre que alguém voltar lá, seus dados anteriores serão vistos.

Brasileiros, enxerguem um palmo na sua frente. Essa foi só uma medida de segurança normal que eles tomaram com muito esforço e dedicação para fazer bem feito e rápido, e conseguiram. É só uma medida de segurança e é o futuro da imigração no mundo. Daqui a alguns anos, passaporte de papel? Pra que? Tenho um visto eletrônico e minha digital e foto estão no sistema. Não corro o risco de perder o passaporte, ningém vai falsificar meu documento, e posso fazer meu passeio turístico tranquilamente a custo de 30 segundos a mais no processo de imigração. E estamos reclamando.

terça-feira, janeiro 06, 2004

Pensei em escrever um post de opnião sobre essa história das impressões digitais, mas preferi postar isso ai:

Hoje é dia de trabalho aqui em Paris, terça-feira. As férias já acabaram e tudo já voltou a correr como sempre. E eu fico abandonado porque não estou convivendo com turistas e sim com moradores da cidade. Comecei o dia em casa, na cidade universitária matutando sobre o que faria. Fui procurar os brasileiros no campo de futebol, mas lá só havia crianças e o que eles faziam não se parecia muito com futebol. Tudo bem. Vou pegar um ônibus.

Pegar um ônibus. Só isso. Simplesmente passear pelas ruas e sentir o cheiro da cidade, ver as pessoas entrando e saindo com suas sacolas e problemas. E o ônibus aqui em Paris é muito bom. Confortável. Peguei o ônibus aqui na cité e o plano era ir ate o fim, mas acabei descendo no Jardin Du Luxembourg porque o dia esquentou e ficou viável andar pela rua sem medo das orelhas congelarem. Tirei algumas conclusões interessantes.

No jardim tem um pequeno lago onde há pelo menos 3 especies de patos. Inclusive aqueles da cabeça verde que aparecem em desenhos disney, e sao daquele jeito mesmo, garças e corvos, como são elegantes e vistosos... Uma aglomeração dessas aves num canto do lago, logo percebi o motivo: crianças atiravam pedacinhos de pão. As aves sao estúpidas. De mim que nao tinha pao nenhum, elas fugiam. Do menino que dava pao elas se aproximavam. Acho que nunca estive tao perto de um pombo na vida quanto estive quando me aproximei do menino dos pães... Por isso os patos nao dominam a terra. (Conclusão 1)

Entao saí do tal jardim por um outro portão menos badalado. Andei um pouco pelas ruelas até constatar que não sabia onde estava. Mas é claro que sabia: estava em Paris. Basta. Continuei. Vi uma faculdade de direito feia. A primeira construção irrefutavelmente feia que vi em Paris. Para piorar, a porta estava cheia de anuncios, aparentemente uma eleição de diretório acadêmico estava por vir. E descobri que essa faculdade feia era a mesma que tinha visto outro dia, que tinha uma fachada greco-romana linda do outro lado com os dizeres da revolução. Paris também tem uma porta dos fundos. (Conclusão 2)

Seguindo meu caminho, passei por uma escola aparentemente secundarista. Estavam saindo varios estudantes, eu me juntei a eles e andei. Quem olhasse de fora talvez pensasse que eu pertencia ao grupo. Era um grupo de adolescentes bem comum. Umas francesas bonitas cochichavam entre si, franceses branquelos discutiam provavelmente futebol, porque ouvi falarem "Zidane" e "Real Madrid". Enfim, eram pessoas alegres e não moribundas e mal-humoradas como as crianças que costumo ver aqui. Então tem gente feliz morando aqui. (Conclusão 3)

Andei um tanto mais, meio perdido, e fui parar no portão principal do Jardin du Luxembourg. Ótimo. Para completar encontrei pixações no ponto de onibus. Falavam de liberdade, somos todos humanos, iguais e devemos ser solidarios e nao podemos deixar a maquina capitalista nos dominar e bla bla bla. Em Paris também há rebeldes (conclusão 4) e eles tem o mesmo discurso besta dos nossos (conclusão 5)

Paris vive.

sábado, janeiro 03, 2004

Pior do que voces pensam.

Eu sou um cara controverso. As vezes me considero muito sortudo, as vezes muito azarado. Vi os anuncios quando fui almoçar no refeitorio universitario. Festa de ano novo na noite do dia 2 de Janeiro na casa holandesa. Legal, mas nao vou. Estava em casa de bobeira, jogando campo minado e ouvindo musiquinhas tristes do RadioHead. Decidi ir. porque nao? Vou, vejo o clima e se estiver chato eu volto. Cheguei, coloquei meu casaco no cabideiro e fui sentindo o espirito. Nao estava chato.

Tocava de tudo na festa, Techno, Dance, House, Trance, Hip Hop e ate Greenday e Nirvana... Começou a tocar musica latina, que eu detesto, entao sai um pouco. A cerveja francesa é muito ruim, mas nao tinha outro jeito. Quase pensava em voltar... Eis que encontro um grupo de Brasileiros(as) do lado de fora em situacao parecida. Pareciam ter minha idade e aos poucos fui conhecendo-os. Fiquei na festa até o fim, momento glorios quando tocou a musica do D2, Qual Eh, que os 10 brasileiros cantaram bravamente no meio de varios que desconheciam a cançao, mas dançavam entusiasmados. Pontualmente às 4 da madrugada a fes ta acabou.

Fui pegar meu glorioso casaco e... Ele nao estava la. Tradicionais reclamaçoes com o anjo da guarda do tipo "isso so acontece comigo" aconteceram. Mas logo recobrei a consciencia do ridiculo (mesmo que ninguem pudesse ouvir minhas lamurias). Se nao foi nenhum ladrao, um casaco parecido havia de sobrar. Fiquei ate a ultima pessoa sair. Os brasileiros, muito gentis, me esperaram. Sobrou de fato um casaco similar... Na verdade, o grande problema nao é o casaco, sao os oculos e a carte orange (um bilhete de metro que vale por um mes). Ha um mes eu tinha dois pares de oculos. Agora nao tenho nenhum. Como esotu em terras civilizadas, é possivel que eu recupere o tal casaco, tomei varias providencias nesse sentido.

Depois sai com os meus conterraneos e fomos ate a casa do Portugal com um caboverdense. La tinha chips e um Violão. Não era dos melhores e faltava uma corda. Mas ja ha um mes eu nao tocava e minhas maos estavam sedentas.Toquei, toquei, toquei... E cheguei em casa às 6 da manhã.

Então uma duvida me assalta. Foi a noite mais divertida que tive desde que cheguei aqui na Europa, mas o prejuizo financeiro foi grande se o casaco não for recuperado. Então valeu a pena ou não? Seria melhor ter ficado em casa? Creio que a resposta certa é não. Fiz a coisa certa e não foi minha culpa algum bebado ter levado o meu casaco. Ainda conheci umas pessoas legais e toquei violão. Mas na compensação das coisas, lucro ou prejuizo?

quinta-feira, janeiro 01, 2004

Não resisti e ignorei os conselhos de viajantes mais experimentados. Fui para Champs-Elysées (onde fica o Arco do Triunfo) no Revellon. Fomos eu, o amigo de minha mãe que me hospedou no seu lar até que eu pudesse ficar aqui na universidade e sua filha, uma menina de 12 anos, terceira do casamento dele com a mulher que ficou em casa com minha mãe esperando agente voltar (antes de meia noite), para estourar a champagne. Saímos de casa por volta das 9 horas. O metrô, gratuito nessa noite, estava lotado. Fui me apertando com gente de toda nacionalidade, cultura, cor e tamanho. Champs-Elysées (campos elísios) fica na última estação desse trem, Étoile (estrela). Chegamos na estrela, bravamente.

O clima era aquele de ante-festa que eu adoro. A rua estava fechada para os carros, então pude andar pelo meio da gloriosa, e linda, avenida vendo grupos de bêbados, sóbrios, argelinos com tambores, moças de saia (não sei como, nesse frio), casais e grupos maiores. Gente nas beiradas da rua vendendo cachorro quente e cerveja, sem isopor porque o ar já é um bom freezer. Eu gosto do cheiro dessas coisas, simplesmente... Festa de largo, gente por aí correndo, pulando, fazendo barulho. Ouvi algum barulho! Paris deve ser a cidade mais silenciosa em que já estive. As pessoas não falam, não assoviam, não cantam, mas nessa noite sim. Nessa noite, havia festa. Suspeito que não haviam muitos franceses lá...

Pegamos uma rua transversal que ia dar em Trocadéro, um ótimo lugar para se ver a torre Eiffel, fomos andando, vendo o movimento aumentando, policiamento, lugares fechados... Quase me senti numa manhã do carnaval baiano, quando ainda não saiu nenhum trio elétrico. Quase. Era noite, era frio e as pessoas invadiam a McDonnalds. Chegamos ao local desejado, a torre estava toda iluminada e as pessoas alojavam-se ao seu redor para ter um bom ângulo dos fogos quando o ano virasse. Quando deu 11 horas, a torre começou a piscar de luzes brancas, a reação do público foi um interessante e sonoro "ohhh!", mas a torre sempre faz isso de hora em hora em qualquer noite.

Satisfeitos com nossa vistoria, chegamos à estação do metrô. Para voltar não estava cheio, deu para fazer o trajeto tranquilamente. Quando chegamos em casa, faltavam 20 minutos para a meia-noite. Dois dedos de proza e estouramos a champagne. Feliz ano novo.

Aqui não existe a tradição de se vestir de branco no ano novo, mas eles acabaram tendo que ver o primeiro dia do ano amanhecer alvo em todas as direções. A natureza, sábia, cobriu a cidade de neve. A neve. A dama mais elegante de Paris caindo em seus flocos harmoniosos. Ela cai devagar, desfilando, pra lá e pra cá, e nas calçadas, nos telhados, nos galhos das árvores, na minha mão... O ano começou... De branco.