sexta-feira, novembro 28, 2003

O tempo parece escasso para tantos planos, os novos e os velhos. O tempo parece se arrastar em direção ao... Não sei. Eu quero viver muito de cada dia mas os dias acabam, cada um deles. Cada dia a mais é um a menos. Olho o calendário e estão quase todos riscados com linhas ou anotações. Tenho que fazer. Tenho que ir. Tenho que voltar ainda hoje e trazer. Tenho nada... Ilusão minha. Os dias estão todos aí e vão se fazendo um por um.

Nas manhãs se fazem a tardes, nas tardes se fazem as noites, nas noites se dorme as manhãs. Telefones. Sol, lua, teto, escada, porta. Fechada. Abre-se. Vamos sim, já conheço minha casa o suficiente. Até logo. Estou levando o telefone celular, qualquer coisa é só ligar. Mas não vai ligar... Volto ainda hoje.

Passei de ano direto e me parabenizaram bastante. Ficaram de fato alegres, os adultos. Os adultos mal sabem que passar de ano para mim é como respirar. E isso não representa para mim nenhuma conquista. Eu só fui até o colégio e voltei nos dias de semana. Só isso. Minhas preocupações estão bem distantes das cadernetas escolares, minhas ambições também.

Mas eu sou um menino de férias agora. E ando com meus amigos, os novos e os velhos que quero levar comigo pro resto da vida... E não sei se vou levar... Tento levá-los amanhã e depois, pelo menos.

Escrevi isso meio sem pensar. Já estava dormindo e acordei com essas sensações.

quarta-feira, novembro 26, 2003

Erguem-se as paredes em volta das construções, as escolas. As ruas da cidade não levam mais a lugar algum. Alguns medrosos se escondem atrás das trincheiras. Há um abismo. Os homens carregam suas armas, os fracos se escondem como podem. Os tiros cruzam e movimentam o ar, entram pelas janelas e abrem buracos nas paredes, destróem a fina porcelana. As balas ricocheteam no meu peito e caem soltando fumaça como se um balde d'água tivesse sido derramado sobre elas.

Ando livremente pelas entranhas da sociedade. Não sou prisioneiro do séquito de ninguém, não há quem me faça parar. Sou invencível. Sou eu. Sou de uma palavra só. Cumprimento e passo pelos que ficam parados. Os que andam comigo nada têm a temer, pois nada os afetará. Somos livres dessas pequenas batalhas dessas ridículas guerras que travam os homens sem noção de que é necessária a vida antes da morte, e não só depois.

Minha vida é muito maior que o período de um piscar de grandes olhos. A paisagem muda. Corpos outrora vivos despencam no chão: desistiram. Pessoas escondidas se mostram para o mundo. Uma vez feita essa decisão não há mais guerra, não há mais nada. Os soldados perdem aos nossos olhos a roupa verde e a arma negra. A brisa e a garoa vêm esfriar os canos das armas. E não nos causa resfriado.

domingo, novembro 23, 2003

Estou de férias. Ontem fiz a última marca no gabarito. Questão 25, 04. Entreguei as provas e os gabaritos ao fiscal e saí, encarei o sol no meu rosto. Me dei conta do que tinha acontecido e desci contente do pavilhão. Acabou. Férias. Que será de mim agora sem o encontro social diário garantido? Terei que me garantir. Mas pelas amizades que consegui esse ano, não será difícil. E daqui a menos de 20 dias estarei embarcando para a Europa.

Como eu já disse, minha mãe está na França fazendo Pós-Doutorado em Artes Cênicas. Vou visitá-la. Passo dois mêses em Paris com uma passagem por Londres. Ótimo, não? Claro, claro... Só não estou ansioso como o esperado. Aliás, eu dificilmente fico ansioso para alguma coisa. O tempo sabe as suas medidas. Sol, lua, sol, chuva. O tempo vai pra frente e não pergunta... E estamos nós de chinelos na estrada, seguindo a placa.

Placa

Não devo parar
A estrada não volta, só vai
A terra do meu calcanhar
Já fica pra trás

Um minuto se vai
Com ele a gota de suor
Dos meus olhos cansados
O que eu vi nunca mais

O céu azul puro
O horizonte de areia bem longe
O corpo arreado que anda
Não é de ninguém

A carne fraqueja
Nos dias de sede, os mais quentes
A garganta vive na saliva
O sol é o rei

O que vem ninguém viu
Não aconteceu

Não sei o que vim fazer aqui
Só vi a placa na estrada e segui
Meu caminho é sozinho e sem sombra
Minha escolha é pra frente, não tem outra

quinta-feira, novembro 20, 2003

No meu caminho para o colégio, cruzo todos os dias com figuras muito interessantes, a mesma gente dos colégios das redondezas, os mesmos trabalhadores, as mesmas pessoas esperando ônibus no ponto, os mesmos carros no engarrafamento causado pelos dois grandes colégios do Garcia, os mesmos mendigos e um mesmo menino.

Ele usa a farda do meu colégio, estuda lá. Deve ser 4ª ou 5ª série. Já o vi indo quando vou mais cedo e mais tarde, uma vez dentro da padaria, mas normalmente vamos em sentidos opostos. Eu com minha mochila e canetas, ele com um saco de pão. E vem ele com o saco de pão na mão e uma expressão alegre no rosto. Deve sair mais cedo, comprar o pão, levar em casa e depois ir denovo para o colégio. Sozinho. Sem acordar a mãe, talvez. Me dá vontade de sorrir e chorar.

Na escola, o menino corre, pula, se esconde, procura. Quebrou o braço uma vez nas brincadeiras, mas ia pro colégio com o braço engessado e fazia as mesmas coisas. Não pára, está sempre de brincadeira com os colegas. Menino sempre contente que me deixa admirado... Já ouvi como o chamam por aí, seu apelido é Sorriso.

terça-feira, novembro 18, 2003

Estou tentando dormir há 3 horas. Desisti. Eu tenho prova amanhã às 7:10 e essa insônia não me deixa dormir. Não vou ficar deitado na cama implorando para o sono vir me tomar para a noite. Acordarei às 6:00. Vou fazer o seguinte: Abdico da vida diurna até o reinício das aulas. Só tenho provas até o sábado e depois estarei de férias. Acho que é um bom negócio. Faço a prova, venho pra casa, durmo até o anoitecer. Depois disso as forças cósmicas me impedem de dormir.

Melhor eu parar de tentar me acostumar com essa vida dos humanos e me entregar de vez ao meu relógio biológico, virar o bicho que sou e parar de sofrer com essa insônia que eu invento. Durante o dia eu consigo dormir muito bem. Ainda melhor se for depois da caça... Do almoço que me vem à mesa. Posso me manter acordado durante a manhã também.

Fiz a prova hoje morrendo de sono. Não sei porque. Esse fim de semana eu só fiz comer e dormir e ainda acordei com sono na segunda-feira. Enquanto os jovens comuns que foram a mil festas e não dormiram quase nada estavam jogando bola na quadra da escola, muito energéticos. Esse mundo é deveras injusto. E eu não consigo dormir.

Meus pais tem alguns problemas de insônia: minha mãe dorme tarde e acorda cedo, acorda com qualquer ruído. Meu pai dorme um sono interrompido ou às vezes, simplesmente, não dorme. Eu sou como meu pai. Simplesmente não durmo e não tem o que faça-me dormir. Acabou. Não adianta tomar leite quente, calmante, suco de maracujá. Não vou dormir. Não essa noite.

Mas aposto que lá pelas 4:30, quando faltar bem pouquinho para o dia raiar e eu ter que me colocar embaixo do chuveiro para ir fazer prova de Matemática, vai me bater um sono divino. Mas aí já era. É uma piscadela para o despertador tocar, insuportável. Mas não adianta lutar... Acho que vou ler um livro.

quinta-feira, novembro 13, 2003

Minha vida segue. Hoje eu dei mais um passo em direção à porta, mas tenho mesmo vontade de olhar pela janela de novo, me agarrar nas núvens e viver nesse sonho. Hoje tive minha última aula do ano. Agora tenho só que mostrar que essas aulas foram proveitosas a um punhado de professores e meu dever está cumprido. O ano fecha seu ciclo, um círculo perfeito. Um círculo que só é traçado nos anos escolares. Acredito que depois a unidade anual perde um pouco o sentido. A vida é inteira pela frente, cada passo será um caminho.

Hoje eu chorei como um menino quando meu professor de Química, um cara de uns 60 anos, barba branca, muito carismático, disse:

"Uma vez eu li num livro que na vida tudo passa... E realmente, dois anos se passaram, a maioria de vocês foram meus alunos no primeiro e no segundo ano e nós criamos um laço. Vocês passam de ano, vão pro terceiro, fazer vestibular e seguir a vida como Deus quiser aí, eu fico por aqui. Vocês passam, e eu fico aqui. (...) Saibam que eu estarei sempre aqui, na retaguarda, não importa o que você for fazer na vida, eu estarei aqui torcendo por vocês, pode fazer Geografia, Matemática, Química, o que for... Eu estarei sempre aqui... Eu fico por aqui..."

Chorei sim. Pode parecer que é um discurso clichê, e talvez seja mesmo, mas essas palavras me levaram a uma reflexão enorme. O tempo de colégio é inesquecível. Eu vejo meus pais, tios, e pessoas mais velhas que conheço sempre contanto histórias... Mas não vejo as pessoas. Deve ser mesmo muito difícil manter para a vida uma amizade da época da escola. Estamos aqui na fase de preparação para a vida. A vida é outra. A vida é a mesma.

E tem tanta gente que vou ver amanhã e semana que vem que gostaria de continuar vendo a vida inteira... Gente tão boa... Amigos. Poucos vão se manter. Mesmo que exista a internet, o telefone, o pombo-correio... A possibilidade do contato não garante-o.

Eu estou chegando no final do começo. Na vida tudo passa. As lembranças vão ficar marcadas no meu coração. As pessoas são inesquecíveis.

segunda-feira, novembro 10, 2003

Eu quero muito. Muito mais que o necessário, muito mais que o médio. Não vou suportar ser só mais um em lugar qualquer. Não vou conseguir seguir em linha reta a vida inteira, estudar, ter um emprego médio numa empresa média que me paga um salário médio, tomar cerveja sexta-feira de noite e fazer sexo com quem eu conseguir. Isso é muito pouco para minhas ambições. Esse mundo pequeno jamais conseguirá me conter. Eu sou muito grande.

É tudo. E se não for isso, será nada e nada serei. Minhas decisões me levam em direção à garganta da floresta mais densa e eu quero atravessar o fino tronco de árvore que não teria caído se fosse forte. Do outro lado está um deserto de areia quente e eu estou sedento e descalço, mas não fico de jeito nenhum nessa floresta me servindo de maçãs. Eu quero o oásis. Quero chegar onde poucos chegam e quero distância de gente medíocre.

A jornada exige preparação. Não se vai de uma vez e nem na primeira tentativa. Ainda tenho muito por aprender. Eu não sei de nada. Não sei as direções. Não o que essas palavras significarão para mim no futuro. Idealismo, ilusões de adolescente... Mas vou lutar contra as forças que tentam me prender ao chão. Eu sou muito maior que elas.

terça-feira, novembro 04, 2003

Desculpem-me aos moradores de BH, São Paulo e Brasília, mas eu me encontro agora bem de estado físico e espiritual, leve como o ar e livre como o vento porque o Mar tudo cura e nenhuma ferida do corpo ou da alma sai de lá aberta. O Mar é tão eficiente e tão certo disso que quando nem ele dá jeito, jeito mais não há e o oceano se encarrega de levar consigo o ferido. Mas estava fazendo sol forte e houve jeito para mim, voltei do longo mergulho de olhos abertos, corpo cheio de sal e sorriso no rosto. O Mar tudo cura.

Depois de um tempo à deriva no oceano, subi num pequeno bote. Continuo habitante do mar, mas agora remo sobre ele em direção à próxima ilha do meu mapa. Foi uma semana muito produtiva. Me animei com meus projetos, sentei na sala do capitão com mapas e réguas, estudei minha posição, tracei retas, curvas e o ponto de chegada. Cheguei. Fiz a minha parte e um pouco mais e isso é sempre muito gratificante. A mediocridade só nos impede de avançar, de crescer, de expandir.

A vida segue em ondas como as do mar. Ora estamos no topo, ora no fundo; ora sentindo o vento no rosto, ora lutando para subir à tona e respirar. Estabilidade, eu já disse, não existe. É uma mera ilusão, miragem. Agora estou na crista da onda, de pé na minha jangada olhando firme para frente... Até o próximo naufrágio.