segunda-feira, junho 20, 2005

Andava pelas ruas, pelo asfalto mesmo, esperando a hora certa de atravessar a rua. Vi um trator. Daqueles de carregar terra de um monte de terra e jogar num caminhão, mas o trator estava derrubando uma casa. Surreal. Com frieza, o monstro desferia os seus golpes desleais, a casa ia caindo, a histórias iam caindo e se despedaçava uma parede que tinha marcas de mãos a menos de um metro de altura. Cresceria alguém naquela casa, agora, vai crescer um prédio.

E no prédio, cem crianças vão crescer brincando no parquinho cercado e seguro. Aprenderão a jogar futebol, uns com os outros, numa quadra daquelas poliesportivas envolvidas por uma cerca verde, porque sempre escolhem verde, da mesma forma que nas piscinas o cercado é sempre azul e os azulejos azuis-claro. No fundo da piscina, um menino, eventualmente, vai bater o dente. Ele vai ficar com ciúmes quando seu vizinho e melhor amigo trouxer a turma da escola para o seu aniversário e não lhe der muita atenção. Sempre acontece.

Eu passava pela casa quase todos os dias, era bonita, era amarela e tinham três potes de flores vermelhas muito bem cuidadas. Passarei agora por uma construção onde diversos homens feios com fardas de construtora (que também costumam ser azuis) carregarão vergalhões, ferramentas e carrinhos de mão cheios de terra, numa sinfonia de barulhos desagradáveis. Em prol das cem crianças que vão chegar alguns mêses depois, para brincar no parquinho, jogar futebol, quebrar dentes no fundo da piscina e fazerem amizades.

O trator que derrubou a casa não era um trator de derrubar casas.

sexta-feira, junho 17, 2005

terça-feira, junho 14, 2005

"Este rumor monótono de conversa, estes odores misturados, as feições que se desarrumam e se deslocam no ato de falar atordoame-me: não conheço ninguém, não possuo o hábito destes templos exóticos em que se sacrificam não já víscerass de aniamis, mas o próprio fígado, modernas catacumbas a que as lâmpadas votivas das luzes raras e o murmúrio de reza das conversas conferem uma tonalidade de religião sacrílega de que o barman é o bezerro de ouro, imóvel, atrás do altar-mor do balcão, cerdado pelos diáconos dos frequentadores do costume, que ereguem em seu louvor black-velvet rituais."

António Lobo Antunes, em Os Cus de Judas.

Eu amo a noite.

segunda-feira, junho 06, 2005

Deixa eu ficar quieto com meu violão, tocando baixinho e cantando esta música triste. Eu quero. Deixa eu sofrer e chorar um pouquinho, hoje, não vou deixar pra lá. Deixa eu ficar chateado, eu preciso sentir um pouco disso. Não vou ser aquele homem forte, não vou passar por cima, não vou lidar bem com a situação. Desculpe, mas vou me sentar lá longe, no cantinho.

Não me console. Não me diga que essas coisas acontecem com qualquer um. Aconteceram comigo, eu trouxe isso tudo para mim, eu trago isso tudo na minha bagagem. Eu sei que acontecem. Não me olhe com esses lindos olhos. Os meus olhos, agora, são de lágrimas e querem ver o mundo de longe.

Não me pergunte. Não pergunte aos outros, os outros não sabem. É só um momento necessário. Um sorvete, agora, não vai me alegrar. É só um pouco de paz e de silêncio...

sexta-feira, junho 03, 2005

Não é culpa de ninguém. Sou eu mesmo quem me destruo, mesmo tendo sido eu mesmo quem construiu tudo. Fui eu mesmo que construí aquela ponte enorme e depois, quando choveu, fui eu, o próprio, que voltei para minha cabana para me aconchegar em minha rotina morna. Nem quente nem fria.

Eu estava já indo embora. Consegui por alguns instantes me soltar, aproveitei e corri o máximo que pude. Me molhava, mas corria, era um grande risco, mas corria. Estava quase chegando lá, mas fui capturado e envenenado novamente. Veneno. Não podia mais ver com clareza, meus olhos aos poucos se fecharam, dormi. Dormi e o sono foi tão profundo que não ouvi os chamados.

Fui eu quem tropeçou ali. Agora que passou, só consigo advinhar o que perdi, advinho alto, advinho muito, advinho muita alegria. Só consigo, então, me sentir idiota. Só consigo perceber o quanto isto se repete todos os dias, o quanto estou perdendo nesta farsa-tragédia. Não é culpa de ninguém, e em ninguém eu me transformo.